quarta-feira, 30 de junho de 2010

Cotidianamente

As pessoas com quem divido a casa têm certa afinidade com animais. Já passaram por aqui muitos gatos, cachorros e alguns gansos. Hoje, sobrevivem apenas 2 cachorros e 3 gatos. Lili, a gata mais velha, foi adotada na Universidade e é uma gata alvinegra, mais negra que alva, um pouco acima do peso ideal, operada, mas com sua vida sexual ativa. Sky, também alvinegro, mais negro que alvo, o gato do meio, tem certo desprezo pelas pessoas que dividem a casa com ele, só se importando com seu órgão sexual. Kima, a caçula, alvinegra, caminhando à obesidade, é caseira e costuma dormir em posição de conchinha com a matriarca da família. Ou qualquer um que a deixe bem quieta. Acredito que é fácil imaginar o motel felino que a casa se transforma quando as duas gatas estão no seu período fértil. Exatamente. Motel, isso mesmo. Não é fácil aceitar outros gatos entrando aqui, mas Sky não se importa em perder o domínio do macho alfa que ele poderia representar.

Certa vez, notei a constante visita de um gato, também alvinegro, que provavelmente mora na rua. Tenho o palpite que ele more na sua, por que não imagino meus gatos invadindo a casa de pessoas estranhas, na verdade, acho que gatos domésticos adquirem certa educação e, pelo menos os daqui, são tão bem servidos que não sentem nem vontade de sair de perto de seus respectivos pratos. Bom, o gato do qual falei foi carinhosamente apelidado de “Boizinho”. Foi dado pelas irmãs gêmeas que tenho de 8 anos que associaram a imagem dele àquelas vacas holandesas que são preta e branca, caríssimas por sinal, mas sendo ele um gato (e não uma gata), chamaram-no assim. Provavelmente se fosse uma gata seria “Vaquinha”. É muita criatividade.

Boizinho freqüenta a casa quase que diariamente. Às vezes me pergunto se as gatas daqui mantém algum relacionamento homossexual, pois Sky, que deveria ter qualquer ciúme, não está nem aí e a Kima, que deveria se jogar às patas do forasteiro, tenta a todo custo impedi-lo de permanecer no convívio familiar. De certa maneira, Lili, sua parceira fixa, também o rejeita dentro de casa e é muito curioso observar esse comportamento. Ontem mesmo, rolou fight. Boizinho insistiu em entrar, Kima foi pra cima e, provavelmente, Lili foi lá apaziguar. Aaaah, certamente é isso. Lili não quer conflito com sua fiel escudeira, Kima, por isso o expulsa de dentro de casa.

No instante que estava saindo de casa, percebi a nossa felina primogênita saindo de casa e correndo atrás do seu macho preferido. Primeiramente não entendi... “ela acabou de expulsá-lo! Mas que safadjinha”... Mas minha curta caminhada ao ponto de ônibus me esclarece algumas coisas, em diversos assuntos, não só coisas fúteis como essa. Mas calma aí, o desfecho é mais interessante.

Fiquei me confrontando e percebi a intenção real da gata. Real não, né? Essa nunca saberei, rs. Mas a ficha caiu sob um aspecto: me vi na pele dela. Na pele, no pelo, enfim. Me enxerguei ali, lutando pelo meu espaço. Boizinho, meu querido, talvez Lili apenas queira um sexo casual, alguns encontros quentes, conversas interessantes, papos descontraídos. A última coisa que ela quer é alguém invadindo o seu espaço, alguém que entre assim, sem pedir licença e queira tomar pra si a vida que ela tem e vive com certo egoísmo. Não no sentido tão pesado da palavra, mas no sentido real. Ela quer sentir, curtir, viver para ela. Ah, podemos julgá-la como egoísta? Só por que ela quer ter o seu próprio espaço, viver sem ninguém que a cobre certas coisas, como um telefonema depois de uma noite juntos?

Saiu na defesa da minha querida e velha Lili, pois, levando para a vida humana e real, as mulheres levaram muito tempo para tomar uma posição como essa, de dominar a relação, expor as suas vontades e fazer somente aquilo que decidissem. Até pouco tempo, mulheres apenas obedeciam e eram renegadas caso não fizessem isso. Em qual momento me sinto no direito de tirar a autonomia da minha felina no que diz respeito aos seus relacionamentos? Ela, no íntimo de sua (in)consciência, sabe o que faz e o que quer.